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Após Lava-Jato, Receita endurece regras de Imposto de Renda para contribuintes
Após Lava-Jato, Receita endurece regras de Imposto de Renda para contribuintes

Atrás de corruptos, contrabandistas e sonegadores de todo tipo, Receita endurece regra para operações em dinheiro

05/02/2018

Depois de ter recebido críticas por não ter conseguido detectar as transações financeiras fraudulentas investigadas pela Operação Lava-Jato, a Receita Federal decidiu endurecer as regras para negociação em dinheiro. Em vigor desde 1º de janeiro, a Declaração de Operações Liquidadas com Moeda em Espécie (DME) precisa ser feita pelos contribuintes que receberem valores acima de R$ 30 mil — em real ou moeda estrangeira — em dinheiro vivo, independentemente da origem — se proveniente de prestação de serviços, venda ou aluguel.


Rastrear o caminho do dinheiro é o objetivo do fisco, que instituiu mais uma obrigação fiscal para o contribuinte. Com ela, foi criada fonte adicional para o cruzamento de informações que a Receita faz na declaração anual do Imposto sobre a renda (IRPF), que o contribuinte tem que entregar entre março e abril. Para especialistas em tributação ouvidos pelo Estado de Minas, trata-se de mais uma ferramenta em cumprimento à legislação internacional, para tentar evitar a lavagem de dinheiro e facilitar a perseguição das trilhas por onde escoam o dinheiro sujo, obtido de maneiras ilegais.
O alvo da obrigação fiscal são contrabandistas, traficantes, corruptos e sonegadores de todo tipo. Para pegá-los, o contribuinte comum também tem de ser envolvido no cerco, como entende o fisco. As operações feitas fora da rede bancária geram informação obrigatória das instituições financeiras, que devem também denunciar o fato ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coafi), quando ocorrer saques em dinheiro vivo em valores acima ou equivalente a R$ 50 mil, segundo o Banco Central.

Além disso, os bancos informam à Receita, semestralmente, o valor global movimentado pelo cliente acima de R$ 2 mil mensais, sem detalhamento. Nesse caso, é informado só o valor financeiro. A nova regra, baixada em novembro de 2017, deixa claro que o fisco busca saber a origem, quem é o dono do dinheiro – que pode não ter sido declarado ao Imposto de Renda, por exemplo. Mas tal caça vem por via transversa, isto é, quem recebeu é quem dará as informações para o Leão poder ir atrás da fonte.

“A Receita Federal usa informações de diversas fontes e vai ficando com uma base cada vez mais robusta, que pode evidenciar o que alguém está tentando omitir do Leão”, avalia a especialista em contenciosos tributários, Sandra Batista, membro do Conselho Federal de Contabilidade (CFC).

Assim, empresas ou pessoas físicas que se enquadrarem nessa situação passam, agora, a ter que preencher a DME, até o último dia útil do mês seguinte ao recebimento do dinheiro em espécie, sob pena de ser multado, pesadamente. É o mesmo prazo hoje exigido para o envio de declarações de ganho de capital ou carnê-leão (aluguéis, pensão alimentícia), mas a Receita não está facilitando para o contribuinte. A DME só poderá ser feita por via eletrônica, e com certificado digital, regra que vale tanto para a pessoa física quanto para as empresas.

Informalidade

Para João Altair Caetano do Santos, também membro do CFC, não há dúvida de que o objetivo da Receita Federal é ir atrás do dinheiro sujo. “Cruzando as informações de quem recebeu, vai seguir o caminho do dinheiro que não foi declarado e nem tributado, para saber se quem repassou tinha capacidade financeira de pagar”, explica. “Ficará fácil encontrar os laranjas”, aquelas pessoas de poucas posses, normalmente usadas por sonegadores para esconder grandes quantias amealhadas de forma não declarada às autoridades.

No escritório em Porto Velho (RO), onde trabalha, João Altair ainda não registrou nenhuma demanda dessa ordem. “Não apareceu nenhum candidato, mesmo porque quem teve algum caso desses em janeiro, terá até o dia 28 deste mês para enviar a DME”, informa.

O contador espera receber pedidos. “O caminho virtual para encontrar a DME e preencher é bem fácil, simples”, esclarece.  Diante a necessidade do certificado digital, segundo ele, deve levar muitos contribuintes a procurar a ajuda de um profissional para cumprir a obrigação.

“Imagine se você vendeu um carro por R$ 40 mil. Recebeu R$ 5 mil em cheque pré-datado e R$ 35 mil em dinheiro vivo. Vai ter que enviar a DME para a Receita, e os cheques ficarão para fiscalização do banco”, cita como exemplo.

É idêntica a obrigação de um hotel que recebeu em dólares de um hóspede, em valor cuja cotação do dia útil anterior ao pagamento correspondeu a mais de R$ 30 mil. Terá que “informar o valor total da operação e o valor liquidado em espécie”, diz o fisco. O conselheiro do CFC lembra que quem recebeu informará os dados, inclusive, do estrangeiro, “vai dizer tudo certinho como é”. Mas ele tem alguma dúvida sobre a eficácia de todo esse procedimento. “Pode dificultar a lavagem do dinheiro sujo, sim. Mas acredito que quem está na informalidade, vai continuar”, opina.

No caminho da sujeira

Paulo Cirilo, coordenador geral de programação e estudos da Subsecretaria de Fiscalização da Receita Federal, confirma que o objetivo da DME é dar ao fisco mais um instrumento para tentar seguir a trilha do dinheiro ilegal e da sonegação. Outro fator é que a ferramenta ajuda no confronto de informações que é feito na declaração do imposto sobre a renda.

Ele não arrisca projeções de arrecadação, porque até agora não tem sido muito fácil para o Leão descobrir operações dos corruptos de plantão, por exemplo. Há contribuintes que declaram ter dinheiro em casa, “debaixo do colchão”.

“A regra é para tentar pegar quem está lavando dinheiro, por meio de quem está recebendo, de boa fé, aqueles recursos de origem duvidosa”, diz. Ele faz questão de repetir que a DME será feita por quem está recebendo o dinheiro vivo, não por quem está pagando. É o outro lado da moeda. Porque, ao receber, a pessoa física ou a empresa terá que pedir identificação e repassar ao fisco os dados de quem pagou.

O auditor fiscal lembra ainda que, no momento em que faz a DME, o declarante não vai pagar imposto algum. “Vamos formar um histórico. Vamos discutir se aquele dinheiro já tem suporte naquilo que foi oferecido à tributação”, diz.

Cirilo explica que o piso de R$ 30 mil para cada operação com dinheiro em espécie foi definido porque a Receita quer pegar operações de valores relevantes. “Não estamos interessados em operações de menor valor tributário, mas em transações significativas, que nos levarão a ver se há ou não sonegação”, diz Cirilo.

Ele explica que muita gente informa na relação de bens e direitos da declaração do Imposto de Renda, que tem dinheiro em espécie, em casa, fora dos bancos. “Não tem problema nenhum ter dinheiro debaixo do colchão, mas tem que declarar”, avisa.

Para evitar a lavagem de dinheiro e facilitar o trabalho das autoridades fiscalizadoras, a tendência mundial é controlar e limitar o uso do dinheiro em espécie, e estimular o dinheiro de plástico. Cirilo conta que há países que já limitam valores em espécie que podem ser recebidos, sem identificação de origem, pelas empresas, por exemplo.

“Há uma preocupação em todo o mundo com o uso do dinheiro em espécie”, comenta. Segundo ele, há no Congresso um projeto de lei propondo acabar com a circulação de dinheiro vivo no Brasil. (AR)

 

Prestação de contas

Pela Instrução Normativa 1.761, a Receita Federal discrimina que a DME deve conter identificação de quem fez o pagamento (CNPJ ou CPF), código do bem ou serviço (o programa vai dispor), descrição do bem ou direito alienado, valor, a moeda da operação e a data da operação. Se houver várias pessoas envolvidas, elas terão que ser identificadas. Em caso de erros, pode-se enviar DME retificadora, como ocorre com a declaração de Imposto de Renda.
Se apresentada com erros, fora do prazo, incorreções ou omissões, o declarante estará sujeito a multas, que vão desde R$ 100 por mês de atraso para pessoas físicas, R$ 500 em caso de empresa cadastrada no programa tributário Simples; a R$ 1.500 para as demais categorias.
O contribuinte pessoa jurídica fica sujeito a pagar até 3% do valor da operação, nunca inferior a R$ 100, se não entregar a DME. O fisco identificará omissões ou incorreções feitas para esconder sonegação, e assim pode fazer denúncia ao Ministério Público Federal para abertura de inquérito judicial. A instituição disponibiliza orientações em seu site na internet (www.receita.fazenda.gov.br).

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